sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sobre o perdão



Pedro: Mestre, Tiago e eu não estamos de acordo sobre teus ensinamentos com respeito à redenção do pecado. Tiago afirma que tu nos ensina que o Pai nos perdoa até antes de pedirmos. Eu sustento que o arrependimento e a confissão devem preceder o perdão. Qual de nós está certo? 

Meus irmãos, errais em vossas opiniões porque não compreendeis a natureza das íntimas e amorosas relações entre a criatura e o Criador, entre os homens e Deus. Não alcançais o conhecimento da compaixão compreensiva que os pais sábios têm para com seus filhos imaturos e, às vezes, equivocados. 

Duvido que um pai inteligente e amoroso precise alguma vez perdoar um filho normal. Relações de compreensão associadas ao amor impedem desavenças que mais tarde requeiram reajuste e arrependimento por parte do filho e perdão por parte do pai. 

Digo-vos que uma parte de cada pai vive no filho. E o pai desfruta de prioridadee superioridade de compreensão em todos os assuntos relacionados com o filho. 

O pai pode ver a imaturidade do filho por meio de sua própria maturidade: a experiência mais amadurecida do velho.

Pois bem, para com os filhos pequenos, o Pai Celestial tem infinita simpatia e compreensão amorosa. O perdão divino, portanto, é inevitável. É inerente e inalienável à infinita compreensão de Deus e a seu perfeito conhecimento de tudo quanto concerne aos juízos errôneos e opções equivocadas do filho. Ajustiça divina é tão eternamente justa que inclui, inevitavelmente, o perdão compreensivo. 

Quando um homem sábio entender os impulsos íntimos de seus semelhantes, ele os amará. E quando amardes vosso irmão, já o tereis perdoado. Esta capacidade de compreender a natureza do homem e perdoar seus aparentes equívocos é divina. Em verdade vos digo que, se fordes pais sábios, esta deverá ser a forma de amardes e compreenderdes vossos filhos. E até os perdoareis quando um desacordo momentâneo vos houver separado.

O filho, sendo imaturo e carente de compreensão quanto à profunda relação pai-filho, terá freqüentemente uma sensação de separação diante de seu pai. Mas o verdadeiro pai nunca admitirá essa separação. O pecado é a experiência da consciência da criatura; não faz parte da consciência de Deus.

Vossa falta de capacidade e de vontade de perdoar vossos semelhantes é a medida da vossa imaturidade e a razão dos fracassos na hora de alcançar o amor. 

Vós manterdes rancores e alimentais vinganças na proporção direta da vossa ignorância sobre a natureza interna e os verdadeiros desejos de vossos filhos e do próximo. O amor é o resultado da divina e íntima necessidade da vida. Funda-se na compreensão, nutre-se do serviço generoso e aperfeiçoa-se na sabedoria.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O centésimo macaco


Nós somos seres muito preciosos e muito belos para sermos criados apenas por um instante na eternidade. Os corpos que habitamos são veículos perfeitos que escolhemos para movimentar-nos e nos permitem participar da vida e de seu papel no plano material. Entretanto, sucumbimos à ilusão e cremos que somos nosso corpo. Nossa origem remonta a um longinqüo passado, recolhemos desde um tempo infinito nossa herança, esquecemos tudo, chegamos até a esquecer de nós mesmos. Negamos com todas as nossas forças que somos essa criação, negamos o fato de sermos responsáveis pela criação.
Criamos tudo sem cessar e somos o que pensamos. Se imaginarmos em pensamento que nos uniremos a outra pessoa, nosso ser inteiro vibra. Se pensarmos muito na miséria, acabamos por sofrê-la. Se sonharmos com a alegria, ela se tornará nossa. É assim que tecemos nosso futuro. Todo pensamento, todo o fantasma, toda a emoção que alimentarmos engendram um sentimento em nós que é registrado e memorizado em nossos corpos sutis.

Esse sentimento determinará as condições da nossa vida, ele atrairá as circunstâncias que lhe correspondem e que o despertarão, pois ficou armazenado em nossos corpos sutis. Cada palavra pronunciada tece nossos dias vindouros, pois as palavras são sons que exprimem os sentimentos de nossa alma, os quais são também, por sua vez, nascidos dos nossos pensamentos.

Ninguém é vítima da vontade ou dos projetos de qualquer ser humano. Nossa imaginação já se apoderou de um pensamento: “como seria isso se…?”, ou então ela sucumbiu aos seus medos. Ou alguém disse que isso deveria ser assim mesmo e não de outra forma, e nós o tomamos como sendo dinheiro vivo. Nada do que nos acontece é gratuito. São os pensamentos e as emoções que constituem a base de tudo.

Durante milênios, diferentes entidades tentaram fazer-nos entender esse funcionamento – por meio de enigmas, de contos ou escritos – mas a maioria dentre nós recusou recordar-se. Existem poucos dentre nós que estão prontos para assumir sua vida. Mas o cosmos é feito assim, ele é o sistema mais perfeito, mais leal e mais justo que existe. Ele dá a possibilidade a cada um de nós de tornar-nos nós mesmos, seja o que for que pensemos; que somos o indivíduo o mais ignóbil ou o mais feio, o mais notável ou o mais nobre. Colhemos o fruto de nossas palavras. Somos o que pensamos. Quanto mais nos desvalorizamos, mais perdemos de nosso valor. Quanto mais subestimamos nossa inteligência mais nos bestilizamos. Quanto mais nos acharmos feios mais seremos disformes. Quanto mais nos sentirmos pobres mais seremos lastimáveis. Quem é, pois o criador da vida? Nós mesmos!

O que a maior parte dos seres humanos engendra hoje em dia? Nossas maiores criações são guerras, desgraças, esperanças, tristezas, miséria, ódio, discórdia, auto-rejeição, doença e morte. A maioria de nós restringe sua vida, aceitando as idéias limitadas que se tornaram sólidas verdades que formam nossa vida. Portanto, construímos nossa própria prisão. Tantos humanos se isolam toda uma vida porque têm um julgamento sobre tudo, sobre seus semelhantes e principalmente sobre si mesmos. Vivem seguindo uma moda que tem por nome beleza, rodeiam-se de objetos “que fazem bem” para não desgostar seus freqüentadores. Não passam de crianças, vindos ao mundo simplesmente para crescer, antes de perder aos poucos sua vitalidade, tornar-se senis antes da idade e passar para o outro lado.

Nós, grandes criaturas que fomos, eis que nos tornamos carneiros, isolamos-nos nas grandes cidades e nelas vegetamos cheios de medo, com as portas fechadas com dupla fechadura.

Em lugar de viver em alegria e com amor, construímos grandes edifícios e desenvolvemos uma consciência que amedronta. Criamos uma sociedade que regula e controla nossos pensamentos, nossas crenças, nossos atos e nossa aparência. O fogo criador que vive em nós, que tem o poder de apoderar-se de um pensamento e dar vida à qualquer forma que seja, caiu em sua própria armadilha, sucumbindo às crenças, aos dogmas, às modas, às tradições, por causa dos pensamentos limitantes, limitantes, limitantes!

Temos, entretanto, a cada dia, a livre escolha de colocar a serviço do mundo nossos pensamentos, nossa imaginação e nossos sentimentos numa meta construtiva para outros e para nós mesmos.

Demonstrarei para o leitor, pelo exemplo do centésimo macaco, o que acontecerá quando um grande número de humanos tiver atingido um potencial de consciência suficientemente elevado.

Monkey in the sun
Cientistas fizeram experiências numa ilha japonesa com um grupo de macacos. Jogaram para os macacos batatas doces na areia para estudar seu comportamento. Estes espalharam-nas, comeram-nas, mas perceberam o efeito desagradável que a areia produziu em seus dentes. Um deles, mais astuto do que os outros, aproximou-se de um riacho e lavou a batata doce.

Curiosos como são os macacos, os outros observaram-no para ver o que ele estava fazendo. Quando perceberam que ele apreciava aparentemente o gosto das batatas doces sem areia, eles imitaram-no. Quando os pesquisadores atiravam-lhes as batatas os macacos iam lavá-las diretamente no riacho. Noventa e nove fizeram a mesma coisa, menos o centésimo, o Nikola Tesla dos macacos, o único que não ia ao riacho mas no mar para lavar sua batata com água salgada. Este macaco percebeu que ela tinha muito melhor sabor com sal. É então que aconteceu algo interessante: não somente os macacos dessa ilha o imitaram, mas também aqueles de uma ilha vizinha situada a 90 km aos quais foram jogadas as batatas. Eles também, iam diretamente ao mar para lavá-las. No continente, passou-se o mesmo fenômeno.

O centésimo macaco havia liberado um potencial de energia suficiente para que o pensamento atingisse os outros macacos da ilha vizinha. Rupert Sheldrak designa essas transferências de “campos morfo-genéticos.”

Encontramos esse mesmo princípio nas invenções. Verificamos que uma descoberta realizada num país é também freqüentemente descoberta em outro país, sem que os dois inventores se conheçam.

Trata-se aí do mesmo princípio. Pode ser que o primeiro inventor pesquise durante décadas para fazer uma descoberta. Uma vez realizada essa descoberta, o processo de pensamento energético terminado, a abertura está feita e esse pensamento é agora registrado a um nível energético. Para todos os outros pesquisadores que trabalham num projeto semelhante, de agora em diante será mais fácil atingir a meta, pois o primeiro inventor, ou o centésimo macaco, fez a abertura.

Transpondo para o nosso assunto, isso significa que quando um número suficientemente grande de seres humanos na terra houver alcançado um nível de consciência mais elevado, será mais simples para o resto da humanidade chegar a esse ponto. Os pioneiros construíram certo potencial, que se transmitirá automáticamernte para todos os outros; isto também faz parte da lei de ressonância.

A maioria dos seres humanos tem o seguinte raciocínio: Sim, mas sozinho não posso mudar nada! O exemplo precedente demonstra que poderíeis ser vós o centésimo macaco, graças a vossa intuição ou a uma descoberta que ireis fazer. Pode ser que outras pessoas já tenham trabalhado antes de vós para encontrar uma solução de um problema, mas não conseguiram fazer uma abertura. Pode ser que só precise do esforço de uma única pessoa para que os outros encontrem essa solução. Vossa contribuição pode parecer, num primeiro instante, insignificante. Talvez ireis conseguir dominar vosso ciúme ou libertar-vos de uma dependência ou então estais no ponto de fazer uma descoberta?

Também tive a seguinte preocupação: Por que escrever um livro sobre um assunto tabu? Por que deveria eu, aos 26 anos, ter o trabalho de escrever um livro sobre esse assunto difícil, enquanto que outros autores renomados o escreveram sem ter sucesso? Mas é talvez precisamente esse livro, impregnado com todos meus esforços, com todo o meu trabalho, com todos os meus pensamentos e todos os meus sentimentos, que era necessário para que os autores precedentes vissem seu trabalho coroado de sucesso, para que o potencial energético se libere.

É como gota d’água que faz transbordar o vaso. É, portanto, uma gota perfeitamente comum, parecendo-se perfeitamente com as outras, que vai romper a superfície da água e a fará transbordar.

Vede, não é necessário ser absolutamente conhecido ou ser “alguém em particular” para ser um herói. O centésimo macaco não pensou que ele seria o desencadeador do processo.
_________
extrato de
As Sociedades Secretas
E SEU PODER NO SÉCULO XX

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Não existe mas somente há Sim.

Three Suzys
Sim é sabedoria.
Não é experiência.

Primeiramente tudo sabemos. Todo conhecimento contemos assim.

Sim é o Um.
Não é o Vazio.

Convidamos o não para a experimentar em nossas vidas. Pois se tudo sabemos nos resta experimentar o que somos.

A Natureza é Sim. Não conhece não.

Sim mente bem.
Não mente mal.

Sim liga.
Não desliga.

A leitura do sim desperta.
A leitura do não aperta.

Simpatia, Simbolo, Simples, Simbiose, Simular, Símio, Similar, Simetria, …

Um bom resultado se obtém ao cuidar do uso do sim e do não reparar.

sábado, 24 de setembro de 2011

do amor ao amar

Da Nang Smile - 4




Amor é doação incondicional.
Amar é dar sem esperar qualquer retorno. Dar, desde um simples olhar até a própria vida.
Amar dispensa qualquer sacrifício ou julgamento. Cada um dá de si segundo a propriedade. Em espontâneo dar é o ser; pois reter é perecer.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sobre a nudez social

*Por Viegas Fernandes da Costa

I – A genitália encoberta pela hipocrisia.
“Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder”, dizia Dora Vivacqua (1917-1967), a dançarina que entrou para a história do naturismo brasileiro sob o pseudônimo Luz del Fuego e como fundadora do primeiro clube naturista do Brasil, na Ilha do Sol, Rio de Janeiro, em 1954. 
Ativista da nudez social, Dora enfrentou o moralismo dos carolas de plantão através da exposição da sua nudez à sociedade e fundando um partido político ” o Partido Naturalista Brasileiro ” pelo qual chegou a se candidatar ao cargo de Deputada Federal. Apesar de todos os seus esforços, e do movimento que começou a se organizar a partir da sua atuação, a prática do naturismo enfrentou (e ainda enfrenta) muitas resistências em nosso país, tendo seus adeptos sofrido a repressão dos militares, da Igreja, da sociedade mal informada e daqueles que entendem a nudez humana como algo a ser explorado pela indústria pornográfica.
Ao iniciar estas breves reflexões a respeito da minha experiência com a nudez social, ocorre-me à lembrança uma matéria da revista Veja do final da década de 1990, que tratava da guerra civil na Libéria. Chamou-me especial atenção uma fotografia que exibia o cadáver de um homem nu que havia sido linchado pelos guerrilheiros e abandonado à rua. Podia-se ver todo corpo, suas feridas, a expressão de dor na face inerte e as lanhuras nos braços e pernas. Sobre o pênis, entretanto, uma espécie de tarja. Fiquei me perguntando o que seria mais obsceno: se a guerra civil e toda sorte de dor e destruição que esta provoca, onde cadáveres humanos são abandonados insepultos em meio à população que desesperadamente tenta sobreviver; ou se a exposição de um pênis aos olhos de leitores pudicos que poderiam se escandalizar, dando uma conotação sexual doentia a uma parte de um corpo humano barbaramente torturado e morto. Encaramos com naturalidade a guerra, o genocídio, a desestruturação social e a tortura, mas a nudez que nos cobre desde nosso nascimento é desnaturalizada ao ponto de um pênis supostamente chocar mais que a própria barbárie da guerra. Há, aqui, certamente, uma inversão de valores sobre a qual devemos nos questionar e incomodar.
Ao ler artigos de naturistas portugueses, deparo-me com a expressão “sociedade têxtil”, que sempre considerei pertinente e que pode ajudar a explicar a aversão da exposição da nudez total do corpo humano em sociedade para além do moral. Em 2008 Viviane Castro desfilou no carnaval carioca pela escola de samba São Clemente, “vestindo” apenas um tapa-sexo de três centímetros. Não fossem esses três centímetros, a passista seria considerada nua e sua escola perderia pontos junto aos jurados.
Em ensaio intitulado “O casaco de Marx”, Peter Stallybrass escreve que, em uma sociedade capitalista, a mercadoria “torna-se uma mercadoria não como uma coisa, mas como um valor de troca. Ela atinge a sua mais pura forma, na verdade, quando ela é mais esvaziada de particularidades e de seu caráter de coisa”. Para exemplificar sua afirmação, Stalybrass se utiliza dos usos que Karl Marx fazia do seu casaco; aqui, entretanto, quero me valer do tapa-sexo de três centímetros “vestido” por Viviane Castro. Afinal, qual a função representada pelo tapa-sexo em questão? Vestir? Cobrir uma nudez? Acaso o corpo de uma mulher restringe-se somente à vagina? À que ordem ou economia pertence a obrigatoriedade do encobrimento da genitália, ainda que ínfimo, nos regulamentos do carnaval carioca, uma festa popular que explora a sexualidade de forma tão explícita? Da mesma forma nos questionamos a respeito da moda que propõe transparências, principalmente no vestuário feminino, permitindo o vislumbrar dos seios e outras partes do corpo até então escondidas por tecidos opacos, sem entretanto fazer com que julguemos nua quem as veste. Está vestida de transparências, mas está vestida. 
Assim, qual a função da transparência na sociedade têxtil? O que faz com que uma mulher ou um homem sintam-se vestidos na praia, ainda que trajando minúsculos biquinis e sungas?

Certa vez ouvi um historiador da indumentária dizer que a moda ainda cometerá muitas ousadias, entretanto, jamais a de propor, seriamente, a nudez total para o ser humano, sob o risco de destruir a si e à indústria que alimenta. Tinha razão. O que liga o tapa-sexo, o casaco de Marx, as roupas transparentes, as sungas e os biquinis ínfimos é justamente o fato de estarem esvaziados do seu caráter de coisa, como disse Stalybrass. Tais objetos são, na realidade, representação, e possuem um caráter de mercadoria. O uso que fazemos deles, enquanto mercadoria, nem sempre corresponde a uma certa função de coisa que lhes possa ser inerente. Viviane Castro não “vestiu” o tapa-sexo de três centímetros para cobrir sua nudez, mas para atender às exigências de um discurso; da mesma forma que Marx não utilizava seu casaco para exclusivamente se proteger do frio, mas também para aparentar distinção a fim de que pudesse ser aceito na biblioteca onde fazia suas pesquisas. Quando vamos à praia vestidos de fios-dentais e sungas, oficialmente estamos atendendo também a uma ordem discursiva de pudicícia; entretanto, não é exatamente pudico nosso critério de escolha quando estamos em uma loja comprando a roupa de praia para o próximo verão. Todos sabemos o quanto uma roupa pode fetichizar nosso corpo, e é este poder de fetichização que muitas vezes buscamos quando nos postamos diante do espelho de um provador. Assim, ao escondermos, mostramos, e na maioria das vezes mostramos algo que não existe senão no desejo, seja no de exibir, seja no de ver. Não quero aqui, porém, incorrer no mesmo equívoco que critico. A fetichização estimulada pela idumentária não é, em si mesma, algo errado, desde que compreendida em sua dimensão cultural. Se a roupa me serve como instrumento de representação social, devo reconhecer tal fato, e não naturalizá-lo sob um discurso hipócrita que imputa aos genitais sujeira e vergonha. “Vergonhas” era como Pero Vaz de Caminha se referia às vaginas das nativas em sua carta de “achamento” ao rei de Portugal: “ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha”. Vejamos, Caminha está impregnado do discurso do seu tempo, ainda assim conclui dizendo que não tinham eles, europeus cristãos, vergonha alguma em contemplar a nudez dos nativos. Compreendeu Caminha que um corpo socialmente nu, que assume assim sua condição integral de corpo ante os olhos do outro, deixa de ser apenas uma vagina, um pênis ou um par de seios?


O poder econômico reprimiu nossa nudez e agora pode vendê-la; o poder simbólico da ética judaico-cristã, moldada no elogio da dor e da carência, reprimiu nossa nudez, desejos e prazeres para assim melhor nos disciplinar. Disciplina que nos move para a guerra e para a fábrica; economia que nos fragmenta, fetichiza e transforma em mercadoria. Ao fim restamos como aquele cadáver fotografado, abandonado nas ruas da Libéria, a genitália encoberta pela hipocrisia.

II – Despindo espartilhos.
Quando me propus escrever um depoimento a respeito da minha experiência com a nudez social e comunidades naturistas, não pretendia tanta tergiversação sobre a nudez e a sociedade têxtil. Entretanto, faz-se necessário compreender que despir-se das vestes no seio de uma coletividade implica não apenas assumir e respeitar seu próprio corpo, bem como afrontar toda uma ordem discursiva que entende existir no corpo o contrário daquilo que defendia Dora Vivacqua, ou seja, que portamos partes pudendas, vergonhosas, sujas e incontroláveis, e que por isso mesmo devem permanecer resguardadas para a intimidade. Ordem discursiva inerente aos interesses materiais e simbólicos do nosso tempo e sociedade. Tenho consciência da falta de ineditismo das reflexões que trago aqui, afinal, a discussão sobre a nudez social é antiga nas sociedades ocidentais (e há sociedades onde esta discussão sequer se faz necessária, pois jamais alijado o corpo do direito à nudez), tendo os movimentos de nudismo se organizado, na Europa por exemplo, desde o início do século XX.
Ainda assim, no Brasil, a nudez social é mal compreendida e resiste muito preconceito em relação ao tema e seus adeptos. Após o assassinato de Luz del Fuego, em 1967, o então chamado movimento naturalista começou a se dispersar, e sobraram alguns poucos adeptos do nudismo, que enfrentavam a marginalização e se entregavam à prática em praias de difícil acesso, estado agravado pela ditadura militar brasileira. Segundo narra Celso Rossi, em seu livro “Naturismo: a redescoberta do homem”, foi apenas a partir da segunda metade da década de 1980 que um movimento organizado, autointitulado naturista, começou a se desenvolver a partir da Praia do Pinho, no litoral catarinense. À época a Praia do Pinho, localizada no município de Balneário Camboriú, era acessada por uma estrada de terra bastante íngreme e em péssimo estado de conservação, o que atraía os praticantes da nudez social para aquele local, já que tornava-o pouquíssimo frequentado. Após uma reportagem sensacionalista da revista Manchete, em 1984, a Praia do Pinho foi apresentada ao país como um local onde pessoas nuas tomavam banho de sol e mar, atraindo para lá toda sorte de curiosos e a atenção das autoridades públicas e das forças de repressão. Como resposta à invasão de curiosos e à repressão aos naturistas frequentadores do Pinho, alguns destes começaram a organizar um movimento que, em 1986, resultou na Associação Amigos da Praia do Pinho e na redação de um Código de Ética Naturista. Dois anos depois, em 1988, ainda a partir do Pinho, foi fundada a Federação Brasileira de Naturismo (FBrN). Como se vê, uma história bastante recente. Segundo o “Guia brasileiro de naturismo”, publicado na edição de número 10 da revista “Brasil Naturista” (dezembro/2010), são pouco mais de vinte as áreas onde a nudez social é legalmente institucionalizada e praticada em todo território nacional, e estima-se em aproximadamente 300 mil o número de naturistas brasileiros declarados.
Foi justamente na Praia do Pinho, há poucos anos, que, acompanhado de minha esposa, passei a experienciar a nudez social. Experiência e vivência que pretendo brevemente discutir agora.
Considerando o fato de vivermos inseridos em uma sociedade profundamente hedonista, onde o culto a um corpo “perfeito”, padronizado nos discursos da moda, da mídia e da medicina estética, leva uma imensa quantidade de pessoas às academias de ginástica, mesas de cirurgia e aos balcões das lojas de sumprimentos alimentares e inibidores de apetite, o imaginário a respeito da geografização do nosso corpo muitas vezes potencializa nossas neuroses e nosso medo da nudez. Ou seja, além de toda a ordem discursiva que procura cercear nosso direito à nudez, tememos também nos despir por nos acharmos feios e disformes. Que nossa nudez agredirá o olhar do outro não apenas pela nudez em si mesma, mas porque nosso corpo nú, em particular, não condiz com uma norma estética, arbitrariamente idealizada, mas que muitas vezes reconhecemos como socialmente legítima. Internalizamos a crença de que estar fora desta idealização agride não apenas ao olhar que busca o “belo” em meu corpo, mas que permite ao outro me julgar não apenas como feio, mas também como um desleixado, por ter permitido que a indisciplina moldasse minhas carnes, ou, e ainda pior, como um fracassado, já que não perseverei no “cuidado de mim”. Assim, despir-se das vestes em público significa ato não apenas de ruptura com uma moral que encontra em nossos corpos partes pudendas, naturalmente obscenas, e por isso necessárias de serem encobertas, como já discutimos, mas também ato de assunção do próprio corpo enquanto estrutura integral e natural, apesar de todas as interferências culturais que sobre si recaem. Conviver socialmente com o corpo completamente descoberto significa, também, compreender uma mudaça de valoração social. Enquanto sujeitos múltiplos, continuaremos representando papeis, ainda que nús; porém, o fetiche que a sociedade têxtil imprime sobre nossos corpos através da indumentária e do jogo de esconder e revelar que esta estimula, na prática da nudez social dá lugar a outro nível de valoração, que considera o sujeito naquilo que este diz e na maneira como age no interior do grupo. Persistem com a prática da nudez social – não sejamos românticos – camadas de preconceito para consigo e para com o outro; entretanto, a primeira camada de julgamento social que tecemos quando avistamos alguém trajado com sua fantasia no seio de uma sociedade têxtil, desaparece. Serei julgado quando me fizer conhecer, e não apenas pelas etiquetas que exibo afixadas nos panos que me cobrem. E o que parece um geste breve, de pouca importância, resulta em um processo de novos despires onde pré-conceitos podem dar lugar a relações pautadas por conceitos, construídos a partir do conhecimento, do diálogo e da interação. Conceito que construímos não apenas a respeito do outro, bem como a respeito de nós mesmos; ou seja, a nudez social estimula a alteridade.
Sabemos, portanto, do quão transgressor pode se caracterizar o gesto de tirar a roupa e conviver socialmente sem esta. Insisto lembrar que o caráter transgressor da nudez está relacionado com o contexto social em que se insere, em nosso caso, a sociedade têxtil. A transgressão e ousadia do ato parece ainda maior quando se trata de corpos que a sociedade classificou como “defeituosos ou deficientes”. Ou seja, que por alguma característica que manifesta, afasta-se da imagem que temos de um corpo normal, construída em nosso imaginário. Digo isso de experiência própria, já que carrego em meu corpo as marcas de uma doença neuromuscular que me atrofiou os membros inferiores e superiores, e provocou “deformidades” em minha coluna e tórax. Então, além da necessidade de se descontruir todo discurso moralista, higiênico e jurídico que recai sobre a nudez social, a pessoa, cujo corpo se apresenta marcado por “deformidades”, necessita desconstruir o estigma que internalizou a partir de uma série de discursos limitadores e deformadores do portador de direitos especiais. Ao dizer isto, ocorre-me o caso de Emma Müller, filha do naturalista alemão Fritz Müller (1822-1897), radicado no Vale do Itajaí a partir de 1852. Emma possuía uma doença que lhe afetou o desenvolvimento físico e mental, e era, por este motivo, afastada do convívio social. Este caso chama ainda mais atenção quando sabemos que Fritz Müller, renomado cientista, foi um dos principais defensores da teoria evolucionista desenvolvida por Darwin. Temos consciência que situações de afastamento social, como no caso de Emma, não eram excessões, mas regra, no século XIX; e que apesar de todos os avanços jurídicos e de todas as mudanças culturais que presenciamos em nosso país naquilo que se refere aos direitos e às condições das pessoas portadoras de direitos especiais, ainda agora, em pleno século XXI, aquele que carrega no corpo os estigmas de uma doença ou trauma físico precisa lutar não apenas contra o preconceito social, mas principalmente contra os estigmas que internalizou e assumiu como reais. Se Malcom X ensinou às mulheres negras estadunidenses a se olharem no espelho e se reconhecerem enquanto belas, da mesma forma, cada sujeito, independente de suas “marcas pessoais”, deve aprender o mesmo.
Peço desculpas ao leitor se me estendi em demasia para dizer o que parece óbvio, mas ao pensar a respeito da minha experiência particular com a prática da nudez social, primeiramente na Praia do Pinho (um balneário preponderantemente turístico), e posteriormente na Colina do Sol (uma comunidade naturista), necessitei compreender as razões das dificuldades do ato de me despir, ainda que muito o desejasse; e percebi que tais razões perpassam toda uma teia que imbrica discursos e estratégias que se configuram no político e no pessoal, e que contribuíram na minha subjetivação. Ao compreender isto, percebi então a dimensão libertadora da nudez social. Libertadora porque contribuiu, primeiramente, para um processo de reconhecimento e aceitação pessoal, o que alterou estruturas internas, psicológicas. Ao me aceitar com todas as marcas que me constituem e me apresentam aos olhos do outro, nego a este outro o direito de me envergonhar, porque não há corpo que não carregue sua parcela de “graça” e “desgraça”. Quando despidos dos espartilhos contemporâneos, das vestes que nos imprimem uma ortopedia social, percebemos que não há liberdade na idealização, que o verdadeiro “Frankenstein” é aquele que obedece a todas as medidas, e que não pode, portanto, ser humano, ainda que tocado pela civilização. Só há “graça” na diferença, pois apenas a diferença pode oportunizar a conciliação, o congraçamento.
Assim, ao despir-me, na Praia do Pinho, reconheci a “graça” em mim, o “cuidado de si” não para atender às necessidades estéticas do outro, mas para a minha conciliação comigo mesmo, em um processo de reconhecimento da minha integralidade. Da mesma forma como o corpo de Viviane Castro não se resume à vagina, o meu não se resume ao pênis ou aos pés atrofiados, por exemplo, que até então escondia dos olhos que não fossem meus. Daí este sentido libertador que a nudez social significou para mim, e que se aprofundou depois que passei a frequentar a comunidade naturista Colina do Sol, no município gaúcho de Taquara. Em vida comunitária, a nudez social estabelece outros tipos de relações, ainda mais honestas, e as possibilidades da assunção integral de si são maiores e mais intensas.
Agora, ao finalizar estas linhas, recordo-me de uma situação que talvez possa sintetizar o que procurei compartilhar aqui. Há algum tempo, quando conversando com amigos a respeito da prática social da nudez, expliquei que em minha residência, na maior parte do tempo, não vestia qualquer tipo de roupa, e quando acaso aparecia alguma visita, era assim, nú, que a recebia. Neste momento um amigo interpelou-me, argumentando que tal prática não era adequada, já que eu deveria respeitar minhas visitas. Penso que foi justamente esta fala deste amigo que me levou a escrever estas linhas. Tal qual Dora Vivacqua, também não posso conceber que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder. Nasci nú, e nú fui primeiramente reconhecido. Desrespeito seria, portanto, aceitar que alguma parte minha deve causar vergonha a um amigo, que algo em meu corpo é, em essência, imoral ou indigno. Afinal, neste caso, a depravação não está na carne que se mostra, mas no olhar que julga.



* Viegas Fernandes da Costa é escritor e historiador. Autor dos livros “Pequeno álbum”, “De espantalhos e pedras também se faz um poema” e “Sob a luz do farol”. A publicação deste texto está permitida desde que mantido na íntegra e citado o autor.          http://viegasdacosta.blogspot.com/2011/01/sobre-nudez-social.html
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...